Ensino afro-brasileiro nas escolas deve ser política de Estado, diz diretor da Unesp

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A implementação da Lei 10.639/2003, legislação que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas, desde o Ensinos Fundamental e Médio, foi um avanço importante na luta antirracista no Brasil, mas a aplicação efetiva da Lei ainda enfrenta muitos desafios.

Na avaliação de Juarez Xavier, professor e vice-diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp – Campos de Bauru-São Paulo, são bem-vindas as ações que combatem a discriminação racial, em particular, no âmbito da educação, mas para a Lei avançar deveria ser uma política de Estado.

“A Lei 10639 mudou a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Deveria ser uma política de Estado, que deveria criar condições para que isso acontecesse. Por exemplo, formando permanentemente políticas, instruções normativas específicas, de resoluções, portarias que permitissem a materialização da política, formando agentes, pesquisadores, profissionais da educação para lidar com o tema, criando mecanismos tecnológicos, espaços virtuais, espaços de educação permanente para adoção da política”, diz o professor, em entrevista ao Portal CUT.

O vice-diretor afirma que uma política de Estado no campo da educação poderia criar possibilidades para superar ou contribuir com a superação da desigualdade estrutural e com a superação do racismo estrutural e sistêmico no Brasil.

“Os esforços feitos no sentido de suprir a desigualdade racial são louváveis, mas são incapazes de lidar com essa magnitude, que é a natureza do racismo brasileiro. Portanto, é uma política que necessita fundamentalmente da ação do Estado”, acentuou Juarez Xavier.

Cidades não cumprem Lei do ensino afro-brasileiro

A Lei 10.639, que mudou a LDB, a principal Lei da educação no Brasil, veio como objetivo de mudar esse cenário de desigualdade, incluir nas salas de aula os conhecimentos, a cultura e a história de grande parte da população brasileira.

No entanto, 21 anos após a aprovação, a Lei ainda não é cumprida. Uma pesquisa, divulgada pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra no ano passado, mostrou que 71% das Secretarias Municipais de Educação não têm ações consistentes para atender a legislação. Outro estudo divulgado este ano mostra que cerca de 90% das turmas de educação de creche e pré-escola ignoram temas raciais.

“Entendo que temos que trabalhar com categorias totalmente aplicadas, mobilizações de recursos, de pessoas, de infraestrutura, da política pública para execução, ou seja, uma atuação cem por cento alinhada à política pública. Assim poderemos estabelecer uma discussão que possa permitir a superação da situação de abandono da Lei no universo escolar”, reitera o professor.

Os municípios são os principais responsáveis pela educação básica. Do total, segundo a pesquisa, 29% das Secretarias têm ações consistentes e perenes de atendimento à legislação; 53% fazem atividades esporádicas, projetos isolados ou em datas comemorativas, como no Dia da Consciência Negra (20 de novembro); e 18% não realizam nenhum tipo de ação.

O estudo, que ouviu gestores de 1.187 Secretarias Municipais de Educação, corresponde a 21% das redes de ensino dos municípios, sobre o cumprimento da Lei 10.639 que tornou obrigatório o ensino para o combate ao racismo nas escolas há 21 anos.

“A educação no Brasil é pautada pelo racismo científico (um conjunto de teses desenvolvidos no século XVII que consistem na noção, praticada por pessoas racistas, de que exista uma raça superior e outra inferior por meio do que, consideram estes, evidências empíricas), que ajudou construir essa brutalidade que temos no país. A educação tem que ser penetrada por aspectos políticos progressistas”, segue.

A luta por conhecimento da cultura afro-brasileira e africana, que levou, entre outras mudanças, a aprovação da Lei 10.639/2003, é uma luta de muitos anos, do movimento negro, dos movimentos sociais, sindicais e de muitas pessoas.

Rosa Negra, educadora popular e Coordenadora Nacional e Estadual do Movimento Negro Unificado – MNU/RO, concorda que a Lei representa uma conquista importante, mas sua implementação ainda encontra muitos obstáculos.

“Superar esses desafios exige compromisso contínuo, formação de professores, políticas públicas consistentes e fiscalização para garantir que a valorização da cultura afro-brasileira e africana seja uma realidade em todas as escolas”, defende Rosa Negra.

Saiba Mais

Racismo estrutural persiste na educação brasileira

A discriminação racial se estruturou no Brasil, em particular, no âmbito da educação, e não tem como falar da desigualdade no ensino brasileiro sem falar em pautar a questão racial.

Na opinião de Juarez, falar sobre raça na educação é crucial, porque raça estrutura todas as instituições no Brasil. “Não raça como categoria científica, que todos nós sabemos que não existe, mas raça como instrumento da ação política. Foi raça que colocou o lugar de quem deveria estar no universo do trabalho e quem deveria estar fora dele”, explica.

O professor avalia ainda que o racismo estrutural mantém esse processo longo de desigualdade entre brancos e negros na educação, o que se desdobra também no genocídio da juventude negra.

racismo estrutural é um conjunto de práticas discriminatórias, institucionais, históricas, culturais dentro de uma sociedade que frequentemente privilegia algumas raças em detrimento de outras. O termo é usado para reforçar o fato de que há sociedades estruturadas com base no racismo, que favorecem pessoas brancas e desfavorecem negros e indígenas.

Para o vice-diretor de ações afirmativas da Unesp, apesar de as lutas constantes serem cansativas para muitos, são notáveis diversos avanços ao longo dos últimos anos.

“Escravização em massa, o genocídio da população negra e indígena, o Apartheid construído pela lógica da Casa Grande Senzala pautada pela escravização. Então, essa educação construída por essas precondições precisa ser superada”, continua o professor, que que foi esfaqueado e xingado com ofensas racistas no dia 20 de novembro de 2019, Dia da Consciência Negra, em Bauru-SP.

Por Walber Pinto, com edição de André Acarinni/CUT Nacional